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domingo, 26 de junho de 2011

Ditadura nunca mais!

    Quem sofreu a violência dos anos de chumbo no Brasil, sempre terá medo da ditadura. O regime militar tirou, de muitas famílias brasileiras, o direito de enterrarem seus filhos mortos pelo regime e de muitos filhos o direito de crescerem ao lado dos pais, que lutaram bravamente, pela queda do mesmo. Pela contramão da história, muitos dos que lutaram, como a nossa presidente Dilma Rousseff, são ultrajados por grupos mal informados, reacionários e impiedosos, que os tratam como criminosos, na tentativa de desmoralizá-los, para continuarem praticando a ditadura velada, que nem é tão velada assim, mas que anda pelas entrelinhas das ações e das palavras. Se existiu crimes nesta história, foram cometidos pelos coronéis, que praticaram as piores barbaridades contra homens, mulheres, estudantes, intelectuais, etc., que lutavam contra a repressão. Essa é uma parte da historia do nosso país que deve ser escrita, reescrita e contada incansavelmente. Minha historia não é diferente da história de muitas famílias brasileiras, que perderam seus entes queridos no silencioso grito que ecoava nos malditos porões da ditadura.
    Aos seis anos de idade, perdi minha inocência de criança, quando vi a entrar pela fazenda do meu avô materno, Lourenço Pereira Quiriba, os militares armados para revistarem nossa casa, em busca do material jornalístico, que havia sido escrito por meu pai, Egidio Belfort, um jovem jornalista, que lutava na guerrilha do Araguaia ao lado de outros companheiros, que tinham como refugio, a fazenda de meu avô, este totalmente alheio às ações praticadas por meu pai e seus companheiros de luta. Meu avô não tinha nenhuma informação do que acontecia no mundo político. Trabalhava para criar sua família, como fazendeiro de médio porte, no município de Dueré – Tocantins (na época Estado de Goiás). Não sei quem era mais inocente, se eu aos seis anos ou meu avô com sessenta anos de idade. A casa ficou de pernas pro ar, fomos todos humilhados e, a partir daí, nunca mais fomos inocentes, nem os velhos, nem os jovens e nem as crianças, de ambos os sexos.
    A nossa historia se partiu ao meio. Daquele momento em diante, passei a ser alvo de preconceitos porque era considerada, por todos, filha de comunista. Perdi a minha sociabilidade na escola e com os vizinhos. Não era aceita nos grupos de crianças e nem mesmo na igreja que freqüentávamos. Os adultos se tornaram pessoas amargas e que muitas vezes na sua ignorância, descontavam seus sofrimentos em mim, pois eu era o retrato, e a possibilidade de continuidade, do meu pai. Antes de morrer, meu pai me dera uma gaita, presente este que jamais esquecerei. Nos poucos momentos que passávamos juntos, me ensinava a tocar, principalmente, em noites enluaradas. Sentávamos sempre em frente a casa da fazenda. Essa é uma das mais doces lembranças que tenho do meu pai, vestido em sua calça de linho, cor bege. Eu o considerava o homem mais bonito e elegante do mundo. Adorava também passar a mão em sua barba cerrada e contemplar seu sorriso tímido e seu corpo esguio. Para afagar as lembranças de meu pai, após sua morte, eu tocava a gaita, de forma desafinada, e isso irritava meu avô, que se tornou um homem amargo e truculento. Este me presenteou com a minha segunda grande dor da ditadura, ao tomar a gaita de minha mão e pisar com suas botas como se, com isso, pudesse eliminar a dor por ter perdido a sua jovem filha que morrera ao lado de meu pai.Esse texto é para contar, que se estivesse vivo, meu jovem pai, faria 74 anos, no dia 28 de Junho de 2011 e eu, hoje aos 43 anos, sou mais velha que meu velho pai.
    Tenho saudade de coisas que não vivi com ele. Não dançou comigo a valsa dos 15 anos, não brigou quando faltei à aula ou tirei nota baixa, não esteve comigo quando tive as minhas primeiras epifanias de amor, nem me deu o prazer de me conduzir ao altar quando me casei. Não participou da minha formatura e nem pude mesmo fazer o que muitos jovens fazem, pedir dinheiro para gastar com alguma tolice. Nunca lemos um livro juntos, nem mesmo me colocou de castigo, depois de alguma traquinagem.
    Na minha vida adulta, me aproximei de algumas pessoas que foram companheiros e companheiras de luta de meu pai e, sendo mulher, vivi uma linda e breve historia de amor com um homem que também lutou contra o regime, e posso afirmar que essas pessoas guardam, em si, dores profundas em suas almas, mas nos deixam como legado, a coragem de nos ter presenteado com o Brasil de hoje, democrático, ao ponto de elegermos uma ex-guerrilheira como nossa presidente. Esse ainda não é o Brasil que quero para os meus filhos, nem para os filhos dos meus filhos. Mas é o Brasil que amo. Meu Brasil do pantanal, da Amazônia, do planalto central, do recôncavo baiano, das montanhas mineiras, dos pampas gaúchos e da ilha do Bananal, porção abençoada de terra onde estão minhas raízes e que formou minha identidade. Ilha do Bananal dos índios Carajás, do meu rio Araguaia, do cerrado tocantinense, minha pátria. Lugar que amo.

Jucilene Pereira Barros

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