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quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Transcendência Feminina para um Novo Tempo, “entre a Lenda e a Política”


O que é a mulher então? É um ser completo. É um ser de abertura. É um ser concreto, situado, mas aberto.

Nos últimos tempos nada transcendeu mais no Brasil do que a mulher, a mulher que até pouco tempo não votava, não se destacava no mercado de trabalho e quando falava em público não falava de política mais sim de sentimentos, como criar filhos, cuidar de plantas e etc. Depois a mulher começou a se destacar, a princípio, mostrando sua beleza, como Leila Diniz, exibindo sua forma física nas praias do Rio de Janeiro e em outros estados, como um cartão postal, onde se fundia com a beleza do Pão de Açúcar e as ondas do mar, com as curvas perfeitas da silhueta do corpo de Leila Diniz. Com uma rebeldia desorganizada do seu tempo, como muitas outras mulheres. Outras transgrediram, buscando novos caminhos, fazendo sua luta política, abrindo caminhos, lutando por democracia, ocupando lugares nas universidades em cursos que antes eram “lugar comum” só para homens e hoje avançamos muito, estamos em todos os lugares. Precisamos transgredir valores ultrapassados, que nos limitam e que estão intrínsecos em nós, de uma história de formação machista que nos passaram.

Quando citam a mulher, a primeira referência é da nossa imagem e não do que realmente somos. Essa condição ficou latente na posse da presidente Dilma, quando a maioria estava preocupada com “qual seria a roupa que a presidente usaria na posse”, mas o que mais chamou a atenção dessa maioria, foi à trança dos cabelos da mulher do vice-presidente e não a vitória feminina, feminismo esse que repica a história machista do pais, trazendo um apelo para um novo tempo. No dia seguinte a posse, os programas de televisão alienadores gastaram horas do seu tempo falando da roupa da Dilma, dos cabelos e da trança da esposa do vice-presidente. Lastimosamente. Tínhamos muito mais a comemorar: Nos destacarmos como sujeitos do nosso tempo, como cidadãs que realmente somos e sairmos dos nossos papéis de “fábrica de cidadãos”. Precisamos transgredir, vencer, nos tornarmos curiosas do nosso tempo, do nosso papel e avançarmos rumo a um novo tempo.

Diz à lenda dos índios Carajás que têm um mito fantástico. A cultura carajá na Ilha do Bananal é riquíssima em mitos preciosos, e este especialmente dá bem a dimensão da transcendência. Segundo o relato dos carajás, o Criador os fez imortais. Eles viviam como peixes na água, nos rios, nos lagos. Não conheciam o sol, a lua, as estrelas, nada, apenas as águas. No fundo de cada rio onde estavam havia sempre um buraco de onde saia uma luz com grande intensidade. E este era o preceito do Criador: “Vocês não podem entrar nesse buraco, senão perderão a imortalidade.” Eles circundavam o buraco, deixando-se iluminar com as cores e sua luz, mas respeitavam o preceito, apesar de ser grande a tentação. “O que tem lá dentro?”

Até que um dia, um carajá afoito se meteu pelo buraco adentro. E caiu nas praias esplêndidas do rio Araguaia, que são praias alvíssimas, belíssimas. Ficou maravilhado. Viu o sol, pássaros, paisagens soberbas, flores, borboletas e muito mais. Por onde dirigia o olhar ficava cada vez mais boquiaberto. E quando chegou o entardecer, e o sol sumiu, pensou em voltar para os irmãos. Mas aí apareceram a lua e as estrelas. Ficou ainda mais embasbacado e passou a noite se admirando da grandiosidade do universo.

E quando pensou que já ia avançado na noite, o sol começou a despontar. Ao lembrar-se dos irmãos, ele retornou pelo buraco. Reuniu todos e contou: “Irmãos e irmãs, meus parentes, vi uma coisa extraordinária, que vocês não podem imaginar.” E descreveu sua experiência. Aí, todos queriam passar pelo buraco luminoso. Então, os sábios disseram: “Mas o Criador é tão bondoso conosco, nos deu a imortalidade, vamos consultá-lo.” E foram consultar o Criador, dizendo: “Pai, deixe-nos passar pelo buraco. É tão extraordinária aquela realidade que o nosso irmão afoito nos descreveu.” E o Criador, com certa tristeza, respondeu: “Realmente, é uma realidade esplêndida. As praias são lindíssimas, a floresta apresenta uma biodiversidade fantástica.” (O Criador já falava o nosso dialeto moderno.) E continuou: “Vocês podem ir para lá, mas há um preço a pagar. Vocês perderão a imortalidade.”

Todos se entreolharam e se voltaram para o carajá afoito que primeiro violara o preceito. E decidiram passar pelo buraco, renunciando à imortalidade. A divindade então lhes disse: “Eu respeito à decisão que tomaram. Vocês terão experiências fantásticas de beleza, de grandiosidade, mas tudo será efêmero. Tudo vai nascer, crescer, madurar, decair e por fim morrer. Vocês participarão desse ciclo. É isso que querem?” E todos, unanimemente, afirmaram: “Queremos.” E foram. Cometeram o ato de suprema coragem para terem a liberdade de viver a experiência da transcendência. Renunciaram à vitalidade perene, renunciaram à imortalidade. E até hoje estão lá, os carajás, naquelas praias lindíssimas. Se um dia quiserem visitar, vão encontrar seres completamente livres nas lindas praias do Rio Javaé, Rio Formoso, Rio Jaburu e Rio Araguaia.

Companheiras, é necessário fazermos a experiência da transcendência, nos tornarmos afoitas como fez o nosso afoito carajás, transcendermos todas as regras machistas, impostas e avançarmos no nosso tempo, nos tornarmos cidadãs de fato, não deixarmos que nem um cárcere , que nem um dogma religiosa nos enquadre em nenhuma regra ultrapassada, nos submetendo a ditadura de  servir o outro.

Em Goiás muitas mulheres ainda se prestam ao papel de organizarem festas, jantares e fazerem pão de queijo em reuniões para os homens fazerem política, enquanto elas continuam no triste anonimato. Em muitos lares ainda continua a ditadura da subjugação e mesmo quando ocupamos as secretarias nas repartições públicas, é como se a mulher ainda servisse como peça de decoração para os gabinetes políticos. Há pouco tempo estive em Brasília, no gabinete de um senador aqui do meu estado. Quando entrei no gabinete, tive a impressão de que havia entrado na porta errada, me senti como se estivesse dentro de uma luxuosa agência de modelos. Estava repleto de belas mulheres jovens, onde não se via a imagem de um gabinete que se faz política para o desenvolvimento do pais, não que o mesmo não se venda como um grande político atuante. É isso o que queremos para nós companheiras?

É preciso avançar no tempo, sair do papel “decorativo e da subjugação”, subjugação essa que permitimos, até mesmo quando somos nós que arcamos com a maior parte ou muitas vezes toda, das despesas da família. E o tempo da mulher goiana é agora, não nos percamos no tempo deixando a história passar e sendo telespectadoras da nossa própria história. Necessitamos urgente de transcender as regras que nos aprissionam, e para falar de transcendência Leonardo Boff disse que é necessário começar definindo o tempo e citou o grande poeta argentino Martín Fierro. Ele diz que o tempo é “a tardança daquilo que está por vir”. Acho genial essa formulação, pois mostra o processo de realização do tempo (tardança), vindo do futuro em direção do presente.

Esse tempo não pode ser utópico, mas real. O tempo utópico é o tempo de nossas fantasias femininas, e que não nos percamos delas também, para não nos tornarmos executoras do que de pior o machismo nos impõe, machismo esse que tristemente é praticado por pessoas do sexo masculino e feminino.




Jucilene Pereira Barros, índia Carajás em busca de um Novo Tempo.

Um comentário:

  1. Presidenta Jucilene

    Parabéns pela construção e beleza desse texto e pela porposta histórica de avanços das mulheres. Esse texto é dígno de ser impresso e debatido por todos nós. Mais uma vez: PARABÉNS, em caixa alta! Abraços,

    Dom Orvandil

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