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terça-feira, 26 de julho de 2011

O pai e o ninho, o ninho e o pai



Que felicidade enche o coração de um pai quando o filho que ele tem no colo se abandona e adormece! Adormecida, a criança está dizendo: “tudo está bem; não é preciso ter medo“. Deitada adormecida nos braços-ninho do seu pai ela aprende que o universo é um ninho! Não importa que não seja! Não importa que os ninhos estejam todos destinados ao abandono e ao esquecimento! A alma não se alimenta de verdades. Ela se alimenta de fantasias. O ninho é uma fantasia eterna. Jung deveria tê-lo incluído entre os seus arquétipos! “O ninho leva-nos de volta à infância, a uma infância!“ (Bachelard). Aquela cena, a criança adormecida nos braços do pai, nos reconduz à cena de uma criancinha adormecida na estrebaria de Belém! Tudo é paz! Desejaríamos que ela, a cena, não terminasse nunca! Que fosse eterna!
A criança se sente segura se, de longe, ela vê que os olhos do seu pai a protegem. Olhos também são colos. Olhos também são ninhos. “Não tenha medo. Estou aqui! Estou vendo você“: é isso o que eles dizem, os olhos do pai.
No ir e vir da vida, pais perdem seus ninhos e no novo modelo de família, os pais também se perdem do ninho. E os papéis se invertem.
Num diálogo com um pai e lendo o que o pai escrevia sobre seus filhos na noite de natal, que há muito tempo tinham voado do ninho e chamava carinhosamente seus filhotes de “filhao” e “filhona”. Ao se referir ao primeiro ninho, ele relatou em uma carta de natal o quanto sentia saudades da ceia de natal em família com seus dois filhos e a mãe. Mas o mais emocionante e poético era o relato saudosista desse pássaro longe do ninho. Era o quanto ele observava que as mãos dos seus filhos a cada ano se tornavam diferentes. Esse olhar trazia a certeza de que logo voariam do ninho e que nada mais seria igual. Eles não acreditariam mais no Papai Noel e a cada ano ele perdia seu posto de pai herói e passava a tornar-se só um pai.
O tempo passa. Os pássaros tímidos aprendem a voar sem medo. Já não necessitam do olhar tranquilizador do pai. É a adolescência. Ser pai de um adolescente nada tem a ver com ser pai de uma criança.
Mas essas certezas se fazem distantes, diante da magia de cada ser de Natal. Alguém vôo do ninho e o ninho se tornou vazio, mas novos ninhos se formaram e eis a magia de volta. Novo pássaro preenche o novo ninho, mais mágico ainda. Eis o pássaro azul e a certeza do velho pai que a sua experiência jamais deixaria seu filhote voar do ninho. Na contramão da vida, o ninho torna-se vazio novamente. Alguém vôo do ninho novamente. E o pássaro azul se chama “filinha”.
       Em alguns momentos, em que esse pai saudosista precisava de um ninho, já cansado de voar de ninho em ninho e de árvore em árvore, após atravessar um oceano, com suas penas cansadas, o seu coração repousava dando-lhe um único sopro de vida: a lembrança das mãos de sua “filinha” ao tocar em suas mãos cansadas. E o seu olhar terno de filhote era a única fonte de vida que restou para esse pai fora do ninho.
       Nunca vi nada mais poético do que ouvir o relato de o pai saudoso falando do primeiro som de seu filhote. Sem que a filhinha nada soubesse ela foi a sobrevivência de seu pai fora do ninho. A magia de suas lindas tranças, a sua voz de menina e as suas inocentes brincadeiras. Ninho é sempre ninho. Sempre voaremos em volta deles.
Gibran Khalil Gibran escreveu, no seu livro O Profeta, um texto dedicado aos filhos. Não sei de cor suas precisas palavras. Mas vou tentar reconstruí-las. É aos pais que ele se dirige. “Vossos filhos não são vossos filhos. Vossos filhos são flechas. Vós sois o arco que dispara a flecha. Disparadas as flechas elas voam para longe do arco. E o arco fica só.“
Esse texto è em agradecimento a um pai que me deu a oportunidade de ver os seus relatos de pai e compreender o quanto o amor de pai nos constrói. E não importa quanto tempo pais e filhos dividiram esse ninho. Esse amor sempre vai reger nossas vidas.
Meu ninho também é vazio. Todos os pássaros voaram.

Jucilene Pereira Barros

Esse video é uma homenagem ao pásssaro azul citado no texto. Puro pensamento dialético do compositor. Que o pássaro azul continue azul e que o pai sempre passeie no velho ninho.

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